As relações contratuais durante a pandemia

27/03/2020

  • Natal & Manssur

    por José Frederico Cimino Manssur

    Atuação efetiva em operações societárias envolvendo empresas e fundos nacionais e estrangeiros nos seguintes seguimentos: moda, serviços, varejo, internet – e-commerce, energia, transportes, construção, dentre outros.

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Fato incontroverso que a pandemia da COVID-19 causou (e ainda causará) diversas repercussões jurídicas. Podemos citar, apenas como exemplo, o Estado de Calamidade já aprovado pela Câmara e Senado, bem como os Estados de São Paulo, com o decreto de Calamidade Pública, divulgado em 20 de março, e Rio de Janeiro, com o Decreto 46.973/2020.

No campo do Direito Civil, consequências relevantes poderão ser constatadas no plano dos Direitos das Obrigações e dos Contratos. Em razão dessas situações de excepcionalidade, que se repetem ao longo da história – o Direito passou a seguir a linha de que os contratos de execução continuada ou diferida devem ser cumpridos conforme as circunstâncias fáticas do momento da contratação (denominada de cláusula rebus sic stantibus).

Entretanto, nos contratos civis e comerciais, como no contrato de locação comercial e no de fornecimento, vemos a possibilidade de discussão sobre a incidência da denominada Teoria da Imprevisão, recepcionada pelo Código Civil vigente.

A Teoria da Imprevisão está prevista no artigo 317 do Código Civil Brasileiro:

“ Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.”

Esses são os seguintes pressupostos para aplicação da teoria da imprevisão:

(i) Ser o contrato de execução continuada ou diferida, ou seja, a discussão será sobre as prestações futuras e ainda não vencidas ao tempo da superveniência do acontecimento imprevisível.

(ii) Desequilíbrio econômico-financeiro, acarretando desequilíbrio entre as prestações. Temos que o direito civil brasileiro positivou o desequilíbrio objetivo, a perda da equivalência (ou comutatividade) entre as prestações, originalmente esperada pelos contratantes.

(iii) Acontecimento superveniente, extraordinário e imprevisível, inesperada quando da celebração do contrato e que gere alterações fáticas vigentes à época da contratação.

Neste contexto, aplicaremos também a Teoria da Onerosidade Excessiva, com previsão no art. 478 também do Código Civil:

“Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.”

Na teoria da onerosidade excessiva, verifica-se a admissão da resolução do contrato ou sua revisão, sempre partindo da parte prejudicada. A revisão se dará se a parte ‘beneficiada’ se oferecer para restabelecer o equilíbrio contratual.

Para a sua aplicação, são necessários os pressupostos da teoria da imprevisão supracitados, somados a mais dois:

(iv) uma situação de grande vantagem para um contratante;

(v) em contrapartida, uma situação de onerosidade excessiva para o outro.

Resumidamente temos que, havendo alteração imprevisível da situação do momento da contratação durante o curso de contrato de execução continuada, causando desequilíbrio nas prestações, pode a parte prejudicada pleitear a revisão do contrato, por aplicação da teoria da imprevisão (art. 317).

Agora, quando o desequilíbrio torne o contrato excessivamente oneroso para uma das partes (e excessivamente vantajoso para a outra), poderá a parte prejudicada pleitear a resolução do contrato, por aplicação da teoria da onerosidade excessiva (art. 478), com o que o contrato se extinguirá sem cumprimento. Porém, se a parte ‘beneficiada’ estiver disposta a restabelecer o equilíbrio entre as prestações, poderá o juiz, à luz do princípio da conservação do negócio jurídico e com fundamento no art. 479 do Código Civil, apenas revisar o contrato, em vez de resolvê-lo.

Presentes os requisitos, poderá ser formulado pedido de revisão judicial do contrato, com o objetivo de afastar o apontado desequilíbrio, através de uma sentença que arbitre um novo valor ou novas condições objetivas de cumprimento do contrato.  A alternativa da revisão tem a vantagem de conservar o contrato vigente e, com isso, permitir que a atividade econômica relacionada não cesse.

Não podemos esquecer ainda a figura do caso fortuito e a força maior que, em último caso, poderia ser utilizada para afastar a responsabilidade pelo descumprimento do contrato, previstos no art. 393 do Código Civil. Mas estas figuras jurídicas não podem ser confundidas com os princípios anteriormente destacados (imprevisão e onerosidade).

Ainda, o pedido de equilíbrio contratual também encontra respaldo no Código Civil Brasileiro, especificamente no artigo 480 que assim dispõe:

“Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.”

Diante deste cenário, concluímos que, na atual situação de calamidade pública/estado de emergência decretado, além das recomendações (ou obrigações) de fechamento de comerciais, shoppings etc. pelos órgãos públicos (além das recomendações do Ministério da Saúde), em decorrência do COVID19, não há dúvida alguma de que tanto a Imprevisão como a Onerosidade, com fundamentos nos artigos de lei acima citados, poderão e deverão ser aplicadas, dependendo de casa caso concreto (com as distinções já descritas).

Entrando no campo prático, já há justificativa legal para que sejam notificadas as “outras partes nas relações contratuais”, credores das obrigações, para que negociações sejam realizadas, objetivando sempre a continuidade do equilíbrio das relações contratuais. Pode-se até partir da premissa de suspensão provisória dos cumprimentos de tais obrigações, até que referida relação seja novamente equilibrada, tendo, para tanto, respaldo legal acima relatado. Não estaremos, neste caso, diante de um descumprimento ou infração contratual, mas sim de um fato imprevisível que gerou uma onerosidade excessiva na relação.

Em caso de insucesso, o Poder Judiciário poderá ser acionado, com os mesmos fundamentos e previsões legais, mas com todas as ressalvas de que a judicialização neste momento, deve ser aplicada no caso extremo.

Nosso time está preparado para avaliar os casos concretos, indicando as alternativas viáveis diante deste cenário de instabilidade nas relações contratuais.

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