CVM orienta a elaboração de Demonstrações contábeis decorrentes da relativização da coisa julgada em matéria tributária

10/03/2023

Em 08/02/2023, o Pleno do STF, em acórdão proferido no RE 955.227, o qual também foi estendido ao RE 949.297, definiu os limites da coisa julgada em matéria tributária. A tese fixada foi a seguinte:

1. As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo.
2. Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem, automaticamente, os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo”. (grifos nossos).

Extraem-se, a princípio, dois aspectos fundamentais da decisão: (i) é aplicável a julgados contrários ao entendimento sedimentado pelo STF, em sede de repercussão geral; e (ii) só produz efeitos automáticos para julgados envolvendo relações tributárias de trato sucessivo.

Para tributos de incidência única, como ITBI, os contribuintes que detiverem decisões proferidas em controle incidental de constitucionalidade afastando a cobrança do tributo, não terão seus efeitos automaticamente cessados na hipótese de novo entendimento pelo STF.

Por sua vez, haverá a rescisão automática para todos os temas que envolvam tributos de caráter sucessivo, como por exemplo, a incidência de contribuição previdenciária sobre o 1/3 constitucional de férias (tema 985).

Isto porque, na ausência de modulação de efeitos do julgado, isso poderá permitir que seus efeitos retroajam e que o fisco cobre os tributos não recolhidos durante o período em que o contribuinte detinha autorização judicial para se abster do pagamento. Veja ilustração explicativa:

Em outras palavras, enquanto não houver uma decisão de tribunal superior em sede de repercussão geral ou em controle concentrado que reverta a decisão que já transitou em julgado, o período em que esteve vigente a decisão em favor do contribuinte não poderia ser, no nosso entendimento, contestada pelo fisco, a não ser que se proponho uma rescisória.

Em relação à anterioridade anual e nonagesimal, aplicáveis de acordo com cada tributo, deve se ressaltar que a decisão em caráter geral de corte superior que determine seu recolhimento em face de contribuinte que já tenha decisão favorável transitada em julgado, este somente deve voltar a pagar o tributo respeitada a anterioridade.

Ademais, com relação à eventual cobrança retroativa de teses revertidas, o prazo para se exigir o tributo continua sendo aquele previsto no Código Tributário Nacional, ou seja, o de 5 anos.

De acordo com o ministro Barroso, a retroatividade do acórdão não gera insegurança jurídica, eis que as empresas que não fizeram provisionamento dos valores não pagos por autorização judicial, “fizeram uma aposta”, pois sabiam que o tema ainda não era definitivo.

A preocupação com as cobranças já movimentou, inclusive, a câmara dos deputados, onde tramita proposta legislativa para instituir o Programa Especial de Regularização Tributária, específico para de mitigar os efeitos do fim da coisa julgada tributária (PL 512/2023).

Em razão do possível impacto financeiro decorrente dos efeitos do acórdão, a CVM elaborou um ofício[1] orientando os diretores de companhias abertas e seus auditores em relação aos dispositivos a serem observados, quando da elaboração das demonstrações contábeis de 31.12.2022 ou reapresentação espontânea para adequação, caso já tenham sido apresentadas.

A atenção especial aos atos normativos diz respeito aos parâmetros de provisionamento de obrigações presentes no período contábil de contribuintes que tenham decisões transitadas em julgado, afetadas pelo julgamento dos temas 891 e 885 de Repercussão geral. Para tanto, importante o auxílio de profissionais que conheçam as disposições do Comitê de Pronunciamentos Contábeis, em específico o CPC 25, que trata de provisões, passivos contingentes e ativos contingentes.

Nosso escritório possui uma equipe especializada sobre o tema. Consulte-nos.

[1] Ofício-Circular nº 01/2023/CVM/SNC/SEP

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