06/06/2025
Um ponto fundamental é a transparência. Como podemos garantir que as decisões alimentadas por GenAI sejam justas e imparciais?
Em todo o mundo, tribunais de justiça estão anulando processos gerados por Inteligência Artificial generativa (GenAI). No Brasil, a situação não é diferente. Só para exemplificar, no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP), uma das partes solicitou a anulação de uma sentença de execução. Ela argumentou que a GenAI redigiu o recurso apresentado no caso sobre abusividade de juros.
A parte, para “comprovar” sua afirmação, anexou aos autos uma consulta feita ao próprio ChatGPT. No caso, o chatbot indicou haver “probabilidade média a grande” de que o texto tivesse sido escrito total ou parcialmente por IA. Diante do fato, sem a sustentação de provas concretas, o juiz rejeitou prontamente os embargos.
Fato é que o uso de GenAI no Judiciário brasileiro tem gerado intensos debates. Essa situação tem atraído a atenção do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). E levanta preocupações sobre os riscos e limites da utilização de tecnologias no processo judicial. Mas a trama não para por aí. O enredo se enriquece com as inovações que empresas têm trazido à tona. Afinal, o que será que nos aguarda nesse cenário onde a GenAI e a Justiça se entrelaçam? A reflexão sobre o futuro do Judiciário brasileiro está apenas começando, e as questões levantadas prometem acirrar ainda mais os debates.
CNJ e GenAI
Em 18 de fevereiro de 2025, o CNJ aprovou as novas diretrizes para a utilização de GenAI no Poder Judiciário. Entre elas, destaque para a possibilidade de que minutas de decisões judiciais sejam redigidas através da tecnologia. Após a redação, essas minutas devem passar por “interpretação, verificação e revisão” pelo magistrado, conforme estabelecido na resolução recentemente aprovada. Isso significa que o juiz responsável pelo caso continuará sendo integralmente responsável pelas decisões e pelas informações contidas nelas.
Em outras palavras, robôs não julgarão ninguém. Entre as prioridades da norma que entrará em vigor no 15 de junho (120 dias após a publicação), estão a “mitigação e prevenção de vieses discriminatórios”, sendo proibido o uso de IA que, por exemplo, “classifique ou ranqueie pessoas com base em seu comportamento ou situação social” ou que “avalie traços de personalidade, características ou comportamentos de pessoas ou de grupos para fins de prever ou avaliar a prática de crimes”.
A principal lição que isso traz para os advogados que utilizam GenAI é a necessidade de um entendimento profundo sobre a aplicação ética da Inteligência Artificial nas atividades jurídicas. Os advogados devem estar cientes de que, embora a tecnologia possa facilitar tarefas como a redação de minutas e a análise de grandes volumes de dados, a responsabilidade final sobre as decisões continua a recair sobre eles. Nesse ínterim, é essencial que os profissionais do Direito mantenham um olhar crítico sobre as informações geradas por essas ferramentas. Em outras palavras, é fundamental que não apenas a precisão técnica seja respeitada, mas também os princípios éticos e humanos subjacentes.
O que é a GenAI para o Judiciário?
O regulamento do CNJ define a GenAI como qualquer sistema “destinado a gerar ou modificar de maneira significativa, com diferentes graus de autonomia, textos, imagens, áudios, vídeos ou códigos de software”. Ou seja, são ferramentas do tipo chatbot, capazes de simular diálogos e produzir textos similares aos escritos por humanos, baseando-se no processamento de grandes volumes de dados.
Em síntese, o termo IA refere-se a máquinas inteligentes que, por meio da aplicação de métodos estatísticos, conseguem extrair correlações e estimativas a partir de dados passados. Isso significa que elas não têm efetividade de criar algo novo, efetivamente. Para Rogério Passos, CEO da Link3, empresa especializada em marketing digital, o desafio reside na substituição de ações de inteligência operacional. E não na geração de novos conceitos e ideias. “O debate sobre a autoria dos materiais gerados pela IA é central nesse contexto. Se uma máquina produz um produto ou reescreve um texto com base em conteúdo pré-existente ou em diretrizes estabelecidas por um humano, quem detém a autoria?”, questiona Rogério Passos.
GenAI: Plágio ou inovação?
A resposta para essa questão não é simples, segundo a especialista em direito autoral Rosa Sborgia, sócia da Bicudo & Sborgia Marcas e Patentes. Ela levanta a questão sobre o que é ou não considerado plágio por GenAI e garante: “Nesse aspecto, é importante ter em mente que a legislação pode evoluir com novas realidades. Com isso, ajustes nas leis em relação a esse tema são bastante prováveis nos próximos anos”.
Rosa acrescenta que a IA tem desempenhado um papel importante em diversas áreas empresariais. Isso inclui a indústria, vez que muitas inovações têm sido atribuídas exclusivamente à GenAI, sem a intervenção de humanos.
“A legislação brasileira sobre propriedade intelectual, em especial a Lei n° 9.279/1996, vincula a invenção a pessoas físicas que efetivamente participaram da criação da inovação por meio de ações humanas. Criações artísticas ou industriais que não envolvem intervenção humana não têm sido reconhecidas em vários países como passíveis de proteção no regime de propriedade intelectual. Um exemplo notório é a disputa entre o fotógrafo David Slater e a organização de proteção animal PETA em relação a uma foto tirada por um macaco, Naruto, através de uma câmera”, esclarece Rosa Sborgia.
Regulamentação de patentes
Rosa menciona ainda que, infelizmente, a legislação brasileira atual ainda não está apta a regulamentar as criações originadas pela IA. Isso porque o governo promulgou a Lei da Propriedade Industrial em 1996, antes da popularização da IA. E, tanto a Lei de Direitos Autorais quanto a Lei que rege a proteção de software datam de 1998. Por sua vez, o Acordo sobre os Aspectos dos Direitos da Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Acordo Trips) é de 1995. “O Brasil necessita de uma legislação recente que trate da legitimidade da IA como inventora, ao lado de seres humanos. Portanto, é imprescindível que o marco legal evolua. É essencial que diferentes Estados se unam na elaboração de leis que cuidem da proteção da propriedade intelectual no contexto da GenAI, especialmente no que se refere à propriedade industrial”, aponta Rosa Sborgia.
A Procuradoria do Instituto Nacional da Propriedade Industrial concluiu que, no Brasil, a IA não pode ser designada como inventora de uma patente, com base na legislação, na Convenção da União de Paris e no Acordo Trips. Apesar de existirem projetos de lei em curso no Congresso Nacional, eles ainda não abordam a nomeação da IA como inventora.
Portanto, atualmente, a interpretação no Brasil é de que o inventor é uma pessoa física. Ou seja, um ser humano que teve um papel no desenvolvimento do objeto inovador. “Os órgãos responsáveis têm recusado os pedidos de patentes que identificam a IA como inventora, aguardando uma evolução na legislação que enfrente essa questão em constante crescimento”, pontua a especialista.
Citações e intimações eletrônicas
Mas, fato é que a Justiça está cada vez mais digital. Dessa forma, dentro do Programa Justiça 4.0 do CNJ, para as empresas, a novidade está na implementação da nova sistemática de citações e intimações eletrônicas, a qual está em vigor há menos de um mês. E, quem não ajustar sua rotina para o uso do Domicílio Judicial Eletrônico (DJE), poderá enfrentar sérias consequências, incluindo multas, perda de prazos processuais e até mesmo revelia.
A adaptação para essa nova realidade exige das empresas a capacitação de seus profissionais. E também a atualização de seus sistemas de gestão processual, garantindo que as intimações e citações sejam recebidas e registradas com eficácia. A digitalização dessas etapas processuais visa aumentar a eficiência, reduzir a morosidade e proporcionar maior transparência nas relações jurídicas.
“A introdução do DJE impõe uma nova responsabilidade às pessoas jurídicas. Falhar em estabelecer um controle regular de verificação pode resultar em perda de prazos. E, por consequência, aplicação de multa logo no início do processo”, alerta Osmar Golegã, coordenador do Contencioso Cível do Natal & Manssur Advogados.
Obrigação das empresas
De acordo com o especialista, as empresas devem tratar o novo sistema com a mesma atenção que davam à correspondência física. “Em suma, é como se a carta tivesse sido substituída por um e-mail com destinatário certo. Os advogados devem redobrar a atenção porque ao abrir o aviso, eles tomam ciência do ato. E isso, por si só, inicia a contagem dos novos prazos”, explica. Ademais, as novas diretrizes exigem uma rotina de checagem diária por parte dos departamentos jurídicos. “Aqueles que implementarem essa nova rotina rapidamente não enfrentarão grandes problemas. Agora, o portal envia a citação digitalmente”, complementa.
Para Osmar, essa mudança é um avanço para o Judiciário. “A citação eletrônica proporciona maior agilidade ao processo. Não se trata de colocar um ônus a mais para as empresas, mas sim de uma atualização tecnológica que é inevitável.”
O DJE é obrigatório para todas as pessoas jurídicas de direito público e privado, exceto as micro e pequenas empresas registradas na Redesim. Os advogados, por sua vez, devem acompanhar as intimações através do novo Diário da Justiça Eletrônico Nacional (DJEN), que unifica as comunicações dos tribunais do País, da mesma forma que anteriormente faziam com as intimações de cada tribunal.
Fonte: Consumidor Moderno