Regulamentação do Complemento do ICMS-ST, de constitucionalidade questionável, está dentre as alterações promovidas no Pacote de Ajuste Fiscal do Governo de São Paulo

27/01/2021

O Decreto 65.471/2021 alterou a redação do art. 265 do RICMS, passando a autorizar a exigência do complemento do ICMS-ST, do contribuinte substituído, em todas as hipóteses em que o recolhimento em base estimada for inferior ao valor da base de cálculo efetiva da operação final da cadeia.

Apesar da redação do art. 265 já prever a possibilidade de exigência de complemento pelo Estado de São Paulo, referido dispositivo estava restrito às hipóteses em que a base de cálculo fosse estimada nos termos do art. 40-A do RICMS, ou seja, quando o preço único ou máximo ao consumidor fosse autorizado ou fixado por autoridade competente (“pauta fiscal”), o que restringia bastante sua aplicação.

Portanto, foi a Lei 17.293/2020 que introduziu significativa alteração legislativa no art. 66-H da Lei 6.374/89 para autorizar expressamente a exigência de complemento de forma irrestrita, desde que fosse houvesse regulamentação pelo Poder Executivo.

Tal regulamentação foi formalizada com a edição do Decreto 65.471, no último dia 14/01/2021. Referido Decreto está entre as alterações promovidas pelo Estado de São Paulo, no chamado Pacote de Ajuste Fiscal e alterou o Regulamento do ICMS do Estado de São Paulo autorizando a exigência do complemento do ICMS-ST, sempre que a base de cálculo estimada for inferior a efetiva.

É importante frisar que a sistemática de substituição tributária foi inserida no Texto Constitucional, mais especificamente no § 7º do art. 150, de forma a otimizar a fiscalização e a arrecadação por parte dos Fiscos Estaduais, ressalvando-se a possibilidade de restituição pelo contribuinte, nas hipóteses em que a base de cálculo presumida superasse o valor efetivo da operação.

A aplicação irrestrita desse dispositivo e o efetivo cumprimento pelos Entes Estaduais, sem qualquer restrição, demandou a análise do STF, no RE 593.849/MG, onde fixada a tese de que “é devida a restituição da diferença do ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para frente se a base de cálculo efetiva da operação for a inferior à presumida”.

A partir de então, diante da necessidade de restituir eventuais valores pagos a maior pelo contribuinte, os Estados passaram a utilizar o mesmo raciocínio para exigir o complemento do ICMS-ST dos contribuintes, mas de forma inversa. Assim, quando o recolhimento pelo substituto em base estimada, nos parâmetros delimitados pelo próprio Fisco, implicar em recolhimento inferior àquele que deveria ser realizado se considerada como base de cálculo o valor da operação final, deverá o contribuinte efetuar o complemento do ICMS-ST.

Importa ainda ressaltar que a “virada de chave” do Fisco Paulista quanto à   exigência do complemento ocorreu em decorrência da definição pelo STF da tese do RE 593.849/MG, conforme se observa das Respostas de Consultas nº 21.817, de 19/06/2020 e 22.084, de 14/08/2020 emitidas pela Secretaria da Fazenda.

Agora, com a alteração do art. 265 do RICMS e a regulamentação pelo Decreto 65.471/2021, referida exigência torna-se obrigatória no Estado de São Paulo e é voltada ao contribuinte substituído, não aos substitutos como previsto na hipótese de antecipação.

Contudo, essa previsão não tem respaldo constitucional, pois, conforme indicado acima, o §7º do art. 150 da CF/88, estrategicamente inserido no capítulo que dispõe acerca das Limitações ao Poder de Tributar, autoriza a restituição apenas em favor do contribuinte, quando constatada a hipótese de recolhimento a maior em base estimada e não o contrário.

Além disso, a exigência de tal complemento de ICMS-ST, por implicar em majoração de tributo, nos moldes do art. 97, inciso II, do Código Tributário Nacional, dependeria de lei complementar, restando viciada a sua inserção no ordenamento por lei ordinária ou por decreto, como realizado no Estado de São Paulo.

E não menos importante, a admissão de tal complemento desvirtua a técnica arrecadatória instituída para o ICMS-ST, a qual possui marco temporal único e definitivo condizente com o momento da antecipação, conforme já decido pelo STF (ADI 1.851/AL): “a lei complementar, por igual, definiu o aspecto temporal do fato gerador presumido como sendo a saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte substituto, não deixando margem para cogitar-se de momento diverso, no futuro, na conformidade, aliás, do previsto no art. 114 do CTN, que tem o fato gerador da obrigação principal como a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.”

Como se observa, trata-se de questão sensível aos interesses das empresas submetidas ao regime do ICMS-ST no Estado de São Paulo, eis que estão envolvidos valores substanciosos, e a via de solução é o socorro ao Poder Judiciário por meio de ação judicial com vistas ao afastamento dessa nova e inconstitucional exigência.

O escritório Natal & Manssur Sociedade de Advogados conta com equipe especializada para auxiliá-lo nesta e em outras questões de direito tributário.

Outras Publicações