27/09/2024
Em 20/09/2024, a Receita Federal do Brasil emitiu um Comunicado externando seu entendimento acerca do regime jurídico-tributário a ser dispensado pelos contribuintes em matéria de subvenções fiscais do ICMS, especificamente no que diz respeito à apuração e recolhimento dos tributos federais (IRPJ e CSLL).
Antes, é preciso examinar o assunto a partir de dois cortes temporais, a saber:
(i) Antes da entrada em vigor da Lei nº 14.789/2023, quando vigorava a Lei nº 12.973/2014, com alterações posteriores veiculadas pela Lei Complementar nº 160/2017 e toda a jurisprudência assentada em torno da questão, merecendo destaque dois julgados paradigmáticos proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça (ERESP 1517492/PR e no RESP 1.945.110, este em sede de Recursos Repetitivos – Tema 1182).
(ii) A partir de janeiro de 2024, quando da entrada em vigor da Lei nº 14.789/2023, que trouxe novo regramento jurídico para a matéria.
Feita a distinção, importante desde já destacar que o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça se consolidou de modo favorável aos contribuintes no que diz respeito à não computação das subvenções fiscais nas bases do IRPJ e da CSLL até dezembro de 2023.
Em resumo, restou assentado que os créditos presumidos de ICMS, bem como outros benefícios fiscais (redução de base de cálculo, de alíquota, imunidades etc.), sejam eles subvenções para custeio ou não, deveriam ser enquadrados como subvenções para investimento, independentemente da finalidade de aparelhamento ou expansão de investimentos.
Quanto à necessidade de constituição de reserva no patrimônio líquido, para o controle contábil e fiscal das subvenções, ficou mantida para efeito de sua exclusão da apuração da base de cálculo da CSLL e do lucro real (IRPJ).
Inconformada com esse cenário, a União resolveu contorná-lo pela via legislativa, cujo resultado foi a edição da Lei nº 14.789/2023. Em resumo, essa lei determinou que todas as subvenções fiscais de ICMS, sejam elas quais forem, deveriam ser oferecidas à tributação pelo PIS, COFINS, IRPJ e CSLL. Para amenizar a carga fiscal, foi instituído aos contribuintes um benefício de 25%.
No entanto, muitos contribuintes têm se insurgido judicialmente contra essa lei e várias decisões isoladas e favoráveis foram proferidas, na mesma esteira de entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
Mesmo assim, a Receita Federal do Brasil continua examinando a situação “pela sua lente”, desprezando todo o contexto acima emoldurado e externando o mencionado Comunicado, com as suas interpretações (questionáveis) a respeito de cada situação envolvendo as subvenções fiscais.
O tom do Comunicado, até intimidatório, serve de alerta aos contribuintes que, caso tenham, sobre a matéria, dispensado tratamentos jurídicos diferentes da visão da Receita Federal, deverão se autorregularizar antes de iniciados os procedimentos formais de fiscalização, sob pena de autuação fiscal. Esclareceu que, no momento, já foram lavrados cerca de oitenta autos de infração que, somados, atingem quase R$ 9 bilhões de reais.
Ocorre que, antes de tomar qualquer decisão amparada isoladamente nesse Comunicado, cabe ao contribuinte examinar detalhadamente sua situação jurídica particular ao longo do tempo, conforme a legislação e jurisprudência vigentes em cada momento.
Isto posto, entende a Receita Federal do Brasil que, até dezembro de 2023, apenas os créditos presumidos de ICMS é que poderiam ser classificados como subvenções fiscais para fins de dedução da base de cálculo da CSLL e do lucro real, ficando de fora outros benefícios fiscais, por não se enquadrarem no conceito de subvenções governamentais.
Ocorre que o STJ, nos julgados acima mencionados, apreciou a possibilidade de excluir benefícios fiscais relacionados ao ICMS da base do IRPJ e CSLL, tendo decidido, em suma, que:
(i) Os créditos presumidos de ICMS não integram a base de cálculo do IRPJ e CSLL; e
(ii) Os demais benefícios fiscais só serão deduzidos do IRPJ e CSLL quando atendidos os requisitos previstos em Lei (artigo 10 da Lei Complementar 160/17 e artigo 30 da Lei 12.973/14).
Ou seja, o entendimento externado no Comunicado colide frontalmente com o entendimento já firmado sobre a matéria, no sentido de que os créditos presumidos e outros benefícios fiscais poderão ser deduzidos das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, desde que atendidos os requisitos formais exigidos pela legislação então em vigor.
Nessa linha, caso o contribuinte tenha decisão favorável no sentido do quanto assentado pelo Superior Tribunal de Justiça ou, caso não tenha, se sua situação espelhar o que foi por ele decidido nos julgados, não há sentido lógico-jurídico para exigir-lhe tratamento diverso e mais gravoso.
Dentro dessa situação, em caso de fiscalização e lavratura de auto de infração, o contribuinte poderá dele se defender administrativa e/ou judicialmente, com probabilidade de êxito provável.
Quanto aos Fundos Especiais (por exemplo, aqueles constituídos para Combate à Pobreza), já existem julgados isolados favoráveis, no sentido de que tais fundos – quanto à natureza e à metodologia de recolhimento – se assemelham ao ICMS e, por também constituírem receitas públicas, não podem ser tributados pelo PIS e pela Cofins, devendo ser aplicado ao caso o entendimento do STF sobre a não incidência dessas contribuições sociais sobre o ICMS (Tema 69).
Logo, em caso de fiscalização e autuação fiscal, a matéria é plenamente discutível e, no momento, pode-se estimar como possível a probabilidade de êxito caso se decida pela judicialização.
Já a partir de janeiro de 2024, quando da entrada em vigor da Lei nº 14.789/2023, no momento, tal diploma se encontra válido e eficaz, uma vez que sua presunção de validade ainda não foi afastada em sede de controle de constitucionalidade (direto ou difuso), de modo que suas normas devem ser obedecidas pelos contribuintes, a menos que pretendam discuti-las judicialmente. Em sendo esse o caso, estima-se como possível a probabilidade de êxito nessa empreitada.
Por fim e, em conclusão, não se aconselha a seguir isoladamente o Comunicado emitido pela Receita Federal do Brasil, sem qualquer reflexão preliminar. Logo, cabe examinar prévia e cautelosamente a situação jurídica particular de cada contribuinte, de modo a avaliar se há ou não conveniência numa eventual autorregularização.